por Paulo Jonas de Lima Piva
O voto nulo ou em branco é uma opção legítima, indiscutivelmente. Porém, é uma atitude inteligente do ponto de vista dos interesses concretos do eleitor que assim se posiciona? Foram aproximadamente 40 milhões os brasileiros que votaram nulo, em branco ou que simplesmente não compareceram às urnas no primeiro turno destas eleições. Trata-se de um número maior do que o da votação de Aécio Neves, que teve mais de 34 milhões de votos, e de Marina Silva, que veio logo atrás. Dilma venceu o primeiro turno com pouco mais de 43 milhões de votos, três milhões a mais apenas dos 40 milhões que anularam, votaram em branco ou que não compareceram para votar. Ou seja, 40 milhões de nulos, brancos e faltosos é muito voto desperdiçado para uma democracia ainda jovem!
E por que desperdiçados?
Imaginemos esses 40 milhões de votos depositados em candidatos a deputado federal e ao senado que defendem de maneira inflexível não só o fortalecimento das leis trabalhistas, como também o seu aperfeiçoamento e a sua ampliação, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Imaginemos esses 40 milhões de votos transformados em parlamentares comprometidos com a política de aumento cada vez mais maior, ao longo dos anos, da capacidade de compra do salário mínimo. Imaginemos esses mesmos 40 milhões de votos, em vez de anulados ou não digitados, investidos na eleição de deputados e senadores defensores da regulamentação e da democratização dos meios de comunicação no Brasil. Imaginemos como 40 milhões de votos depositados em candidatos defensores da reforma agrária, da agricultura familiar, do imposto sobre as fortunas, da expansão das universidades públicas e gratuitas, da criminalização da homofobia, da reforma política e de tantas outras reformas necessárias, fariam a diferença! Curiosamente, a FIESP não vota nulo, em branco ou deixa de comparecer à urna no dia da eleição. Ao contrário: lançou um dos seus quadros, Paulo Skaf, ao governo de São Paulo, e certamente elegeu muitos deputados, governadores e senadores que financiou. Ruralistas também não pregam voto nulo, nem os banqueiros, nem as empreiteiras, nem os magnatas da mídia, tampouco os fundamentalistas religiosos. As empresas de saúde privada e empresas de ensino privado também não. Isso explica por que esses setores estão tão bem representados no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores do país.
Há cinquenta anos não tínhamos um Congresso tão conservador quanto o que acabou de sair do primeiro turno. Isso significa, num certo sentido, que por valorizarem o voto, por investirem pesado nas eleições, por valorizarem muito o sistema representativo, as bancadas de latifundiários, de banqueiros, de donos de mídia, de empresários da saúde e da educação, e de fundamentalistas religiosos cresceram muito no Congresso Nacional, na mesma medida em que diminuíram as bancadas dos sindicalistas, dos defensores da reforma agrária, da saúde pública e gratuita, da democratização da mídia e dos direitos LGBT. Quarenta milhões que fariam a diferença, ou melhor, que farão muita falta quando a bancada dos empresários resolver mexer nas leis trabalhistas e nos direitos dos trabalhadores, por exemplo. Com uma bancada de sindicalistas reduzida, quem se oporá no Congresso, com unhas e dentes, à tentativa de acabar, por exemplo, com a multa para demissões sem justa causa? Quem se oporá de forma organizada, com poder de decisão, a propostas de aumentar ainda mais a terceirização no trabalho? Com uma bancada ruralista ampliada e fortalecida, como ficará a legislação contra o trabalho escravo? E as leis concernentes ao meio ambiente com tanto fazendeiro?
Votar nulo, em branco ou simplesmente não ir votar em nome de uma utopia delirante, de um direito abstrato ou de uma idiossincrasia estapafúrdia pode ser um tiro no pé, sobretudo para aqueles que vivem de salário, de direitos trabalhistas, de políticas do Estado e que fazem parte dos setores mais discriminados da população.
Fonte: http://www.opensadordaaldeia.blogspot.com.br/2014/10/voto-nulo-democracia-interesses-se.html
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