Davos, Suíça, 23/1/2014 – Sem nenhuma crise financeira severa no radar para tentar apresentar respostas, o Fórum Econômico Mundial 2014, que começou ontem, “buscará soluções para os problemas realmente fundamentais”, declarou seu criador, Klaus Schwab. “Não podemos nos dar o luxo de permitir que próxima era de globalização crie tantos riscos e iniquidades como oportunidades”, afirmou Schwab antes da abertura do Fórum, que acontece nesta cidade suíça até o dia 25.
“Hoje enfrentamos uma situação onde a quantidade de potenciais pontos álgidos é enorme e é provável que aumente”, disse o fundador deste fórum onde anualmente se encontram as elites mundiais. Praticamente, nenhum dos painéis previstos para a reunião aborda especificamente os países em desenvolvimento. Porém, mesmo Schwab e sua organização se deram conta, finalmente, de que a globalização aumentou a desigualdade mundial, e que suas consequências não têm sido manejadas nem estão mitigando bem no plano mundial.
Segundo Schwab, o Fórum Econômico Mundial é “a maior assembleia de líderes políticos, empresariais e da sociedade civil no mundo”, e há 44 anos reúne anualmente as personalidades e empresas mais ricas e poderosas no centro turístico de Davos, nos Alpes suíços, sob o lema de “melhorar o estado do mundo”. Schwab começou ontem a dar as boas-vindas a cerca de 2.500 participantes, entre eles mais da metade dos presidentes das mil maiores empresas do mundo, cerca de 30 chefes de Estado e numerosos líderes de instituições internacionais.
Um informe divulgado pelo Fórum reconhece uma ampliação da brecha de renda, e que o aumento da desigualdade impacta na estabilidade social interna dos países e ameaça a segurança em nível mundial. “É essencial que orquestremos soluções inovadoras para causas e consequências de um mundo que está se tornando cada vez mais desigual”, afirmam os autores do documento.
A organização humanitária e de desenvolvimento Oxfam Internacional reconhece o tema em um informe divulgado às vésperas da abertura do Fórum, segundo o qual as 85 pessoas mais ricas do mundo possuem uma riqueza igual à da metade da população do mundo. A diretora-executiva da entidade, Winnie Byanyima, qualificou o fato de assombroso.
“Não podemos esperar ganhar a luta contra a pobreza sem abordar a desigualdade”, afirmou Byanyima. Oxfam situa as raízes da brecha na desregulamentação fiscal, nos paraísos fiscais e no sigilo que os envolve, na prática empresarial anticompetitiva, em impostos menores para os de renda alta e investimentos, e cortes ou subvenções nos serviços públicos para a maioria.
Segundo a Oxfam, os indivíduos e as empresas mais ricas ocultam bilhões de dólares em paraísos fiscais de todo o mundo. “Na África, corporações mundiais (particularmente as do setor extrativista) exploram sua influência para evitar impostos e taxas, reduzindo os recursos disponíveis para que os governos combatam a pobreza”, diz o informe.
Nos últimos anos, a evasão fiscal se tornou um foco importante das organizações não governamentais, especialmente em países como a Suíça, onde têm suas sedes algumas das maiores empresas do mundo envolvidas na extração e no comércio de matérias-primas.
“A evasão fiscal e os incentivos tributários prejudiciais estão fortemente ligados à desigualdade”, disse à IPS o ativista Martin Hojsik, diretor da campanha sobre impostos da ActionAid International, uma coalizão que luta contra a pobreza em todo o mundo. “Com a falta de arrecadação causada pela evasão fiscal, os países em desenvolvimento em particular têm pouquíssimos recursos para financiar serviços essenciais como educação e saúde”, acrescentou.
A ActionAid não participa do Fórum Econômico Mundial, que Hojsik considera uma charlatanice para elites em um centro turístico de luxo. “O progresso real exige o compromisso de parte dos governos e processos que incluam todos os atores, entre eles as pessoas que vivem na pobreza”, afirmou.
Hojsik não se ilude sobre os resultados de Davos. “Este ano, a Deloitte, uma empresa que entre outras coisas assessora companhias sobre como evadir impostos quando investem na África, publica no Twitter sobre desigualdade de renda no evento #DeloitteDavosLife, o que mostra claramente parte do absurdo, afirmou.
Ao contrário da ActionAid, a Oxfam participa do Fórum e pede aos presentes que se comprometam em apoiar gravames progressistas e a tornar públicos todos os investimentos em empresas e fundações. Também pede que assumam reclamar um salário digno em suas companhias e desafiar os governos a usarem a renda derivada dos impostos para dar atenção universal para saúde, educação e proteção social aos cidadãos.
Porém, o esforço da Oxfam está destinado ao fracasso. Uma olhada nas mais de 260 sessões do Fórum mostra que nele não são abordadas batatas quentes como a evasão fiscal. Do encontro consta um painel sobre a indústria extrativista, mas este só pretende debater como a indústria pode pautar o crescimento no futuro, à luz de existirem cada vez mais preocupações em torno da escassez e da degradação ambiental.
Praticamente, nenhum dos painéis aborda temas vinculados aos países do Sul em desenvolvimento. Porém, há uma sessão sobre os objetivos de desenvolvimento posteriores a 2015, na qual se questiona como um novo espírito de solidariedade, cooperação e responsabilidade mútua pode fazer com que essas metas passem da visão para a ação.
Peter Niggli, diretor da Alliance Sud, que reúne as seis maiores organizações suíças para o desenvolvimento, não se sente atraído por esses debates. Sua coalizão não participa de Davos. “Nós pressionamos o governo suíço, o que faz mais sentido”, disse à IPS. Niggli acredita que, como fórum de debate, Davos não tem nenhuma influência na definição da agenda de desenvolvimento posterior a 2015.
Em todo caso, segundo Niggli, não é o programa oficial do Fórum com todos os debates e painéis o que atrai empresários e políticos, mas a oportunidade que têm de se reunirem informalmente com outros ou de gerar novos projetos a portas fechadas.
Tampouco congrega a elite mundial em Davos o falso acampamento de refugiados montado pelos organizadores. “Estamos simulando a experiência de um refugiado sírio em um acampamento jordaniano. É muito importante que as pessoas possam imaginar realmente o que significa ser um refugiado”, disse Schwab.
O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados pede US$ 6,5 bilhões para os refugiados sírios. Até agora, doadores internacionais comprometeram US$ 2,4 bilhões. Se o Fórum Econômico Mundial levasse a sério o lema “melhorar o estado do mundo”, seus endinheirados membros poderiam doar a quantia que falta até o dia 25. Envolverde/IPS
Fonte: http://www.ipsnoticias.net/portuguese/2014/01/ultimas-noticias/as-elites-consideram-a-desigualdade-em-davos/
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