terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O mito da educação coreana




Sempre quando vamos discutir o atraso do Brasil, a questão da educação vem à tona e o exemplo educacional coreano é colocado como argumento, de um caminho que poderíamos ter trilhado, mas por miopia dos governantes nos foi negado. O exemplo coreano não pode ser negado, deve ser aceito como verdade absoluta. Mesmo quando poucos dados, quando são apresentados, sejam colocados como argumento.
Durante as eleições, o economista e apresentador de TV Ricardo Amorim colocou em sua página do Facebook o exemplo coreano de investimento na educação como principal tema a ser debatido no segundo (veja aqui). Apesar de não apresentar fontes dos dados, os coreanos fizeram pesados investimentos em educação básica desde os anos 70 e hoje investem 6 vezes mais por aluno no ensino médio do que nós, brasileiros. 
No entanto, os dados do Banco Mundial nos mostram o quanto de idealização e fantasia existe neste tipo de argumento. O investimento médio na década de 70 foi de apenas 2,95% do PIB na Coréia, tendo chegado a irrisórios 2,12% do PIB em 1975. O pico de investimento na educação foi de 3,75% do PIB em 1971.
Para termos uma base de comparação, o INEP apontou que investimos 6,1% do PIB em educação em 2011, portanto, mais do que o dobro do que os coreanos investiram em educação nos anos 70. Em 2011, o Banco Mundial mostra que os coreanos investiram “apenas” 5,24% do seu PIB em educação.
Os dados da Unesco também refutam a tese de que Ricardo Amorim de que os coreanos investem 6 vezes mais por aluno do ensino médio do que o Brasil. Enquanto, os coreanos investisram US$ 7,1 mil dólares PPP por aluno do ensino médio em 2011, o Brasil investiu US$ 2,39 mil dólares PPP. Desta forma, a diferença de investimento por aluno é completamente explicada pelo maior PIB per capita da Coréia, não havendo um maior empenho dos coreanos em investir na educação secundária.
Outro mito é que diferença estaria na priorização que o Brasil dá ao ensino superior. Os números da Unesco mostram que o governo brasileiro investiu 0,92% do PIB em suas universidades, o que não deixaria nenhum coreano boquiaberto, uma vez que seu governo investiu 0,82% do seu PIB no ensino superior. Cabe também mostrarmos que a situação brasileira não é nenhuma excrecência tropical: Áustria (1,56%), Argentina (1,22%), Canadá (1,92%), Chile (0,95%), Dinamarca (2,42%), França (1,29%), Alemanha (1,38%), Índia (1,26%), Suiça (1,37%) e Estados Unidos (1,39%) retiram qualquer culpa de investirmos em universidades.
Na educação primária, o Brasil investiu 1,82% do PIB em 2010, um exemplo para a Coréia do Sul que destinou apenas 1,58% para tão importante fase na educação de uma criança. 
O exemplo educacional coreano estranha o mais importante economista daquele país, o professor de Cambridge Ha-Joon Chang. Segundo este iconoclasta professor coreano, a arrancada coreana e de Taiwan ocorreram em momentos que a educação desses países era pior do que a de Filipinas e Argentina, países que ficaram claramente para trás no processo de desenvolvimento econômica.
O premiado professor coreano questiona até mesmo a importância da instrução formal nos processos de desenvolvimento, pelo menos na escala que tem sido recomendada. Segundo Chang, o mais relevante da produção do conhecimento não se dá nas escolas, mas dentro das empresas e de forma coletiva. Por isso, o mais relevante é a capacidade dos países de organizarem produtivamente as potencialidades dos seus cidadãos.
Chang mostra que uma das sociedades mais produtivas e inovadoras do mundo, a Suíça, possuía até meados dos anos 90 taxas de matrícula universitária de 16%, número muito próximo dos nossos 13% criticados por Ricardo Amorim.
A crítica de Chang avança para a forma como a educação está organizada em todo o mundo. Qual a importância de toda a matemática ensinada para o trabalho de um grande designer? E qual a importância do aprendizado de biologia para a produtividade de um banqueiro?
Durante o processo eleitoral, Dilma apontou para a necessidade de repensarmos os currículos. Uma discussão muito mais profunda e relevante do que a proposta por Amorim. Mas o cavalo passou encilhado e ninguém montou, pois ainda estávamos presos a velhos mitos.
Fontes:

Chang, Há-Joon: 23 Coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. Editora Cultrix (2013) 

Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/o-mito-da-educacao-coreana#.VJd4WRioOu8.facebook

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