terça-feira, 15 de julho de 2014

A dívida universitária, um perigoso problema em alta nos Estados Unidos

Os empréstimos a estudantes dobraram depois da crise de 2007



Valeria tem 26 anos e acumula uma dívida de uns 100.000 dólares (222.150 reais) pelo custo de seus estudos. Amenee tem 30 e seu passivo é de 105.000 (233.200 reais). São dois exemplos de uma preocupante realidade cada vez mais comum nos Estados Unidos: o aumento da dívida universitária nos últimos anos, por causa do incremento do custo das matrículas, a redução das ajudas públicas regionais e as penúrias econômicas de muitos cidadãos depois da recessão de 2007.
O custo da universidade sempre foi caro nos Estados Unidos, sendo comuns as histórias de famílias que poupam com muita antecedência e de jovens que trabalham nos fins de semana para conseguir umas reservas. Mas depois da crise econômica, o panorama se aprofundou muito: a menor capacidade de poupança disparou a dependência dos empréstimos.
Desde 2007, o passivo universitário duplicou, até chegar a 1,2 trilhões de dólares (2,66 trilhões de reais), segundo os últimos dados oficiais. Ao redor de 71% dos estudantes estão endividados quando se formam, com uma média de 29.400 dólares (65.300 reais). E, junto a isso, em um contexto de salários estancados e auge do desemprego, a inadimplência aumentou - ao redor de 7 milhões dos 40 milhões de estudantes não está pagando - o que levou muitos especialistas a alertarem sobre os perigos deste buraco e começando a traçar paralelismos com a bolha imobiliárias que explodiu há sete anos.
Consciente deste panorama, o presidente norte-americano, Barack Obama, aprovou recentemente várias medidas flexibilizadoras para ajudar uns cinco milhões de alunos que ficaram excluídos de uma lei de 2010, que limita o retorno mensal a 10% dos ingresso e que perdoa a dívida quando ela já completou 20 anos. "O aumento dos custos deixou sem saída as famílias da classe média. Este país me deu uma oportunidade através da educação", disse Obama ao lembrar sua história pessoal e recordar que faz apenas dez anos que conseguiu pagar toda sua dívida por seus estudos em direito na Universidade de Harvard, onde se formou em 1991.
O custo da universidade disparou 141% nas últimas três décadas nos EUA.
“[Meus estudos] foram, certamente, um bom investimento”, afirma a norte-americana Amenee, licenciada em sociologia e psicologia pela Universidade do Oregon e que acaba de finalizar um mestrado em administração pública na de Nova York. "Mas dá muito medo ter uma dívida de mais de 100.000 dólares." É uma carga muito pesada sobre meus ombros, sobre minhas decisões de vida nos próximos cinco e dez anos", acrescenta em conversa telefônica.
Amenee, que trabalha em uma organização sem fins lucrativos e lamenta que para muitos seja um tabu falar da dívida universitária, conseguiu financiar boa parte de sua carreira com subsídios públicos e bolsas de estudo, embora ainda tenha que devolver uns 10.000 dólares (22.200 reais) de empréstimos ao Governo, que obteve com juros muito baixos (2,6%). No entanto, teve que pagar seu mestrado por completo com novos créditos públicos e com uma taxa de juros maior (6,75%).
A história de Valeria, de origem boliviana e cidadã norte-americana, é parecida. Depois de estudar no Reino Unido, chegou em 2010 aos EUA onde viviam seus pais, e acaba de se formar em um mestrado em economia de desenvolvimento na Universidade Americana de Washington. Tem 10 anos para devolver seu empréstimo a uma taxa de juros de 6,5%, o que equivale a uns 800 dólares (1.770 reais) por mês. Também são créditos do governo, mais vantajosos que os de um banco.
Obama ampliou várias medidas flexibilizadoras para aliviar o problema, mas segundo os especialistas, elas não atacam as causas profundas.
Como Amenee, Valeria reconhece que a dívida pode condicionar a escolha de um emprego em função do salário. "O dilema é se você poupa ou paga sua dívida. Não dá para ficar sem emprego", reclama. Em seu caso, trabalha como investigadora econômica e, embora gostaria de ganhar mais, declara estar satisfeita pois a maioria de seus colegas universitários está desempregada. E sem um emprego, a cruzada de devolver o crédito fica muito mais complicada.
A universidade, no entanto, nem sempre foi tão cara nos EUA: em 1982, a média de custo anual de uma carreira de quatro anos - incluindo matrícula e alojamento - equivalia a uns 9.500 dólares atuais (ao redor de 21.100 reais), segundo dados oficiais. Em 2012, era de 23.000 dólares (51.000 reais), o que significa um aumento de 141% em três décadas. Em uma instituição privada ronda os 34.000 dólares (75.500 reais.). É uma cifra parecida ao valor da matrícula anual dos mestrados de dois anos cursados por Valeria e Amenee, sem acrescentar o investimento em livros e na vida diária.
Embora as estatísticas do censo revelem que estudar costuma gerar um retorno - alguém com formação universitária entre 25 e 32 anos ganha 45.500 dólares por ano em um emprego de tempo integral, 17.500 a mais que seus pares apenas com um diploma de ensino médio -, os especialistas alertam que este peso da dívida diminui o empreendedorismo, freia o consumo e a longo prazo fomenta a desigualdade de renda, que já está em seu máximo histórico. "Um estudante com dívida e outro sem, ganham o mesmo salário quando saem da universidade, mas quando têm 40 anos, o que não tinha dívida consegue mais ingressos porque pôde investir em ganhos de capital, como na Bolsa ou em casas", afirma William Elliott III, um professor da Universidade de Kansas que analisou em profundidade este fenômeno e que chama de mero "curativo em uma ferida" as novas medidas de Obama.
Elliott propõe atuar em dois campos: a curto prazo, impulsionar um plano de resgate nutrido pelos 50 bilhões de dólares que o governo dedica anualmente a seus empréstimos estudantis; e a longo prazo, em um novo programa que dê ajudas blindadas desde a infância, especialmente às famílias pobres, para que tenham acesso à universidade. Há poucos dias fracassou no Senado uma proposta democrata de refinanciar os juros de 25 milhões de jovens formados através de um imposto às grandes fortunas. Enquanto isso, o buraco continua crescendo. "O mais alarmante - conclui - não é onde estamos hoje, mas onde estaremos se a tendência continuar."
Fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/06/23/sociedad/1403545667_671467.html 

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