terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sem medo de ser feliz, governo paulista desova mais de 155 milhões na Abril, Folha, Estadão, IstoÉ, Época e Panini

Pode isso, Arnaldo? Claro que sim. Em São Paulo pode tudo.


Em minha primeira entrevista a Conceição Lemes, do Viomundo, (em 14/outubro/2010),  NaMaria: 250 milhões para a mídia em nome da Educação pública de SP, mostrei a dinheirama que, de dezembro de 2004 a julho de 2010, o Governo de São Paulo pagou à mídia, certas editoras e gráficas a título de execução de "projetos pedagógicos": mais de R$ 250 milhões, quase absolutamente tudo sem licitação.

Atendendo a pedidos, resolvi atualizar parte das tabelas, com os gastos, negociações, trocas, favores, benesses e coisas do gênero "pedagógico" do governo paulista, começando com a Editora Abril e seus produtos, incluindo a Veja; as revistas IstoÉÉpoca Galileu. Passo pela Editora Panini com as compras das revistas da MônicaCascão e Mônica Jovem. Finalizo com os jornais Folha Estado de SP.

Compras absolutamente sem licitação, apoiadas na Lei 8666 de 1993, artigo 25.

Tudo em nome da boa pedagogia, da boa escola, com o nosso dinheiro saindo pelos ladrões da Fundação Para o Desenvolvimento da Educação - FDE, que é quem "cumpre as demandas" e contratos da Secretaria de Estado da Educação de SP, sob as ordens maiorais do governo estadual.

São Paulo, o mais novo sertão do país (graças às excelentes gestões suseranas), é comprovadamente o latifúndio dos tucanos - que fazem o que bem entendem, como querem, com quem desejam e das maneiras mais "criativas" que o ser humano comum sequer consegue imaginar.

Mas podemos, pacientemente, perseguir as pistas no DO - Diário Oficial.

Esta atualização cobre os governos de Geraldo Alckmin (PSDB, 2003-2006), Cláudio Lembo (após renúncia de Alckmin, 2006-2007 / PFL), José Serra (PSDB / 2007-2010), Alberto Goldman (PSDB / 2010-2011, após renúncia do Serra), e novamente do Geraldo Alckmin (PSDB, de 2011 até o presente - e futuro, já que foi reeleito em 2014).

Também incluí duas compras especiais. Uma de Gilberto Kassab quando prefeito, em 2010 (na época, DEM, atualmente PSD), em nome da Secretaria Municipal de Educação, sob a tutela do Secretário Sr. Alexandre Alves Schneider.

Outra, mais recente, do município de Franca, distante 400 km da capital, cujo prefeito (Alexandre Augusto Ferreira) é do PSDB, e cuja Secretária da Educação (Fabiana Granado Garcia Sampaio) parece reconhecer os méritos da Editora Abril, desconsiderando outras e melhores concorrentes.

Que se registre e confira: o que aqui se apresenta é uma pequena amostra dentro de um imenso universo. Ou seja: o que acontece aqui pode estar ocorrendo onde você vive. Não há dúvidas.

Para melhor se situar, também proponho que sejam (re)vistas as matérias com o marcador Compras Sem Licitação, bem como a segunda entrevista dada à Conceição Lemes do Viomundo (em 1/outubro/2014): Como a Veja manejou a Educação Pública brasileira.

Abaixo seguirão os dados já existentes em tabelas anteriores, com as devidas novidades indicadas com *.

O valor encontrado apenas nessas tabelas é de uma beleza profunda. Foram gastos do dinheiro público, em papel, encalhes e quinquilharias tidas como "fontes de boa informação e educação" a mixaria de, pasmem!, 
R$ 155.528.143,37.

Como era de se esperar, os valores aumentaram muito:

  1. Editora AbrilSAI de R$ 52.014.101,20  
    --> AUMENTA para R$ 81.759.111,73 (= 57%)
  2. Folha e Estadão juntosSAEM de R$ 10.546.769,60  
    --> AUMENTAM para R$ 27.199.529,20 (= 157%)
  3. Revista IstoÉSAI de R$ 2.464.178,00  
    --> AUMENTA para R$ 5.010.792,20 (= 103%)
  4. Revista Época e GalileuSAEM de R$ 4.311.752,56  
    --> AUMENTAM para R$ 8.357.854,76 (= 93%)
  5. Revistas Mônica, Cascão e Mônica JovemSAEM de R$ 26.789.290,28 
    --> AUMENTAM para R$ 33.200.855,48 (= 24%)
Do mesmo modo que aumentaram descaradamente a imoralidade e a vergonha. 
Concordam ou não?

Comprovem analisando as tabelas abaixo.

REVISTAS NOVA ESCOLA / GESTÃO ESCOLAR / 
GUIA DO ESTUDANTE e REVISTA DO PROFESSOR / 
RECREIO / ATLAS NATIONAL GEOGRAPHIC / VEJA

EDITORA ABRIL / FUNDAÇÃO CIVITA
CONTRATO + LINK DO
VALOR
18.160 assinaturas (renovação) Revista Nova Escola(DE's/Ofs.Pedags/Escolas) SÓ HÁ 2 REGISTROS EM DO – onde e quando o contrato inicial?42/2199/04/04
ver 29/dez/04
14/jan/05
326.880,00
18.160 assinaturas (renovação) Revista Nova Escola15/1063/07/04  23/out/2007408.600,00
220.000 assinaturas da Revista Nova Escola – edições 216 a 225 - solicitado pela CENP para o "Ler e Escrever"15/1165/08/04
 ver 1/out/2008   - 25/out/2008
3.740.000,00
* 18.160 assinaturas sa Revista Nova Escola(DE's/Ofs.Pedags./Escolas)15/0248//06/04  3/jun/2006408.600,00
* 43.932 assinaturas da Revista Nova Escola - anual = 10 edições - Secretaria Municipal de Educação de SP2010-0.048.338-6
26/mai/2010
1.094.785,44
* 1.140 assinaturas da Revista Nova Escola + 217 assinaturas da Revista Gestão Escolar / Município de Franca-SPProc. 14257/14
 11/jul/2014
78.963,00

TOTAL6.057.828,44
415.000 exemplares Guia do Estudante Atualidades Vestibular 200815/0543/08/04
 23/abr/2008
2.437.918,00
430.000 exemplares Edições nº 7 e 8 do Guia do EstudanteAtualidades Vestibular15/1104/08/04  22/out/20084.363.425,00
430.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular Ed. 8 +20.000 Revista do Professor15/0063/09/04  11/fev/20092.498.838,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular Ed. 09 +25.000 Revista do Professor15/0238/09/04  16/jun/20093.143.120,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular Ed.10 +27.500 Revista do Professor15/0614/09/04  29/ago/20093.249.760,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular 2º sem 2009 + 27.500 Revista do Professor15/00024/10/04  2/abr/20103.177.400,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular Ed.11-2º sem 2010 + 27.500 Revista do Professor Nº515/00473/10/04  15/jun/20103.328.600,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular Ed. 12-2º sem 2010 + 27.500 Revista do Professor Nº 615/00762/10/04  17/ago/20103.328.600,00
540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular 2º sem. 2010 Edição 12 + 27.500 Revista do Professor Nº 615/00017/11/04  1/abril/20113.338.600,00
* 540.000 Guia do Estudante Atualidades Vestibular 1º sem. 2011 Edição 1315/00552/11/04  30/jun/20112.910.600,00
* Guia do Estudante anos 2012 / 2013 / 2014 só no Caderno Legislativo DO Legislativo  2012-2013-20140,00

TOTAL31.766.861,00
3.000 assinaturas Revista Recreio15/0181/08/04  29/mar/20081.071.000,00
6.000 assinaturas Revista Recreio15/0182/08/04  29/mar/20082.142.000,00
5.155 assinaturas Revista Recreio15/0670/08/04  12/ago/20081.840.335,00
25.702 assinaturas Revista Recreio15/0149/09/04  17/abr/200912.963.060,72
* 2.259 assinaturas Revista Recreio15/0528/09/04  1/set/2009891.220,68
* Em 2011 Revista Recreio só no Caderno LegislativoDO Legislativo  20110,00
* 25.400 assinaturas Revista Recreio15/00949/11/04  28/nov/20118.585.200,00
Em 2012 Revista Recreio ocorre só no Caderno Legislativo DO Legislativo  20120.00
* 29.064 assinaturas da Revista Recreio 15/0533/09/05  29/ago/20098.999.994,71

TOTAL37.316.448,40
95.316 Atlas Nacional Geographic vols. 1 ao 26, sendo 3.666 exemplares de cada volume15/00273/09/04  28/mai/2010733.200,00

TOTAL733.200,00
5.449 assinaturas da Revista Veja15/0355/09/054  20/mai/20091.167.175,80
5.200 assinaturas da Revista Veja (Sala de Leitura)15/00547/10/04  29/mai/20101.202.968,00
5.200 assinaturas da Revista Veja (Sala de Leitura)15/00626/11/04
 3/ago/2011
1.203.280,00
* 5.200 assinaturas da Revista Veja - Edições 2.289 a 2.314 (Sala de Leitura)15/01773/12/04
 18/out/2012
669.240,00
* 4.263 assinaturas da Revista Veja - por 183 dias (Sala de Leitura) 15/00275/13/04  14/jun/2013669.240,00
* 4.263 assinaturas da Revista Veja - por 440 dias (Sala de Leitura) 15/00201/14/04  6/mai/20141.208.134,20

TOTAL6.617.973,80
TOTALGOV PSDB 81.759.111,73

REVISTA ISTOÉ

EDITORA BRASIL 21 LTDACONTRATO + LINK DOVALOR
5.449 assinaturas da Revista IstoÉ15/0358/09/04  19/mai/20091.260.062,80
5.200 assinaturas da Revista IstoÉ15/00548/10/04  27/mai/20101.203.280,00
* 5.200 assinaturas da Revista IstoÉ - 52 edições15/00627/11/04  29/jul/20111.338.480, 00
* 4.263 assinaturas da Revista IstoÉ - por 440 dias15/00203/14/04  30/abr/20141.208.134,20 
TOTAL GOV PSDB5.010.792,20 

REVISTA ÉPOCA / GALILEU

EDITORA GLOBOCONTRATO + LINK DOVALOR
5.449 assinaturas da Revista Época15/0354/09/04
 21/mai/2009
1.190.061,60
5.200 assinaturas da Revista Época15/00546/10/04  11/jun/20101.202.968,00
* 5.200 assinaturas da Revista Época (Sala de Leitura)15/00628/11/04
27/jul/2011
1.203.280,00
* 5.200 assinaturas da Revista Época - Edições 746 a 771, por 181 dias15/01775/12/04
 10/nov/2012
669.240,00 
* 4.263 assinaturas da Revista Época - por 440 dias (Sala de Leitura)15/00202/14/04
8/mai/2014
1.208.134,20 

TOTAL5.473.683,80
18.284 assinaturas da Revista Galileu - 2 exemplares por classe de 15/0176/09/04 
24/abril/2009
1.208.134,20
* 13.800 assinaturas da Revista Galileu - 2 exemplares por classe15/00963/11/04
18/nov/2011
965.448,00

TOTAL2.884.170,96
TOTALGOV PSDB8.357.854,76

REVISTAS DA MÔNICA E CASCÃO

PANINI BRASIL LTDACONTRATO + LINK DOVALOR
90.000 unids. Almanaque do Cascão, 90.000 unids. Almanaque da Mônica15/0134/08/04  29/mar/2008561.600,00
9.000 Assinaturas Revista da Turma Mônica15/0135/08/04  29/mar/20081.422.900,00
103.092 avulsos = 51.546 Almanaque do Cascão e 51.546 Almanaque da Mônica15/0695/08/04  29/mai/2008321.647,04
5.155 Assinaturas Revista Turma da Mônica15/0694/08/04  12/ago/2008815.005,50
?? Livros títulos diversos ficção e não-ficção para 2ª, 3ª e 4ª do Ciclo I15/1045/08/04  14/out/200847.946,30
57.310 assinaturas da Revista Turma da Mônica15/0147/09/04  2/abr/200914.277.067,20
34.938 assinaturas Turma da Mônica Jovem e 279.504unidades avulsas nº 1 ao 8 Turma da Mônica Jovem15/0146/09/04
 17/abr/2009
4.373.538,84
195.749 unidades Almanaque do Cascão e 195.749 unidades Almanaque da Mônica15/0148/09/04  17/abr/20091.291.943,40
11.295 assinaturas da Revista Turma da Mônica, sendo 5 exemplares por classe de 1ª série - CEI.15/0502/09/04
 6/ago/2009
2.344.842,00
392.000 avulsos do Almanaque da Turma da Mônica = 96.000 do Cascão + 196.000 da Mônica15/00549/10/04  23/jun/20101.332.800,00
* 360.000 Almanaque do Cascão + 360.000 Almanaque da Mônica = 720.000 exemplares 15/00952/11/04  7/out/20112.448.000,00
* 19.888 assinaturas Revista Turma da Mônica Jovem 15/01907/11/04  14/dez/20121.235.044,80
* 401.252 Almanaque Cascão + 401.253 Turma da Mônica =802.506 exemplares15/01907/12/04  14/dez/20122.728.520,40
TOTALGOV PSDB33.200.855,48

JORNAL IMPRESSO: FOLHA

FOLHA DE SÃO PAULOCONTRATO + LINK DOVALOR
5.449 assinaturas da Folha de São Paulo15/0200/09/0412/mai/20092.704.883,60
5.200 assinaturas da Folha de São Paulo (Sala de Leitura)15/00550/10/048/jun/20102.581.280,00
* 5.200 assinaturas da Folha de São Paulo (Sala de Leitura)15/00625/11/046/ago/20112.581.280,00
* 5.200 assinaturas da Folha de São Paulo (Sala de Leitura) 15/01772/12/04  9/out/20121.554.800,00
*5.200 assinaturas semestrais da Folha de São Paulo - por 183 dias15/00274/013/045/jun/20131.554.800,00
* 4.263 assinaturas da Folha de São Paulo - por 443 dias15/00200/14/0414/mai/20142.551.831,80
TOTALGOV PSDB 13.528.875,40

JORNAL IMPRESSO: ESTADO

ESTADO DE SÃO PAULOCONTRATO + LINK DOVALOR
5.449 assinaturas do Estado de São Paulo15/0199/09/04
15/mai/2009
2.691.806,00
5.200 assinaturas do Estado de São Paulo (Sala de Leitura)15/00545/10/04  28/mai/20102.568.800,00
* 5.200 assinaturas do Estado de São Paulo (Sala de Leitura)15/00624/11/04  17/ago/20112.748.616,00
* 5.200 assinaturas do Estado de São Paulo - por 180 dias15/01771/12/04  19/out/20121.554.800,00
* 5.200 assinaturas do Estado de São Paulo - por 183 dias15/00273/13/04
8/jun/2013
1.554.800,00
4.263 assinaturas do Estado de São Paulo - por 443 dias15/00199/14/04
30/abr/2014
2.551.831,80
TOTALGOV PSDB13.670.653,80

Repito o que eu disse na primeira entrevista, de 2010:
O fato é que, embora tenhamos dinheiro e profissionais para tornar a educação pública de São Paulo equivalente às melhores existentes no mundo, os "negócios" tornaram-na um lixo. É necessária uma devassa nos contratos da FDE e da SEE-SP. Quem vai fazer isso com isenção e seriedade necessárias?
Fonte: http://www.namarianews.blogspot.com.br/2014/11/sem-medo-de-ser-feliz-governo-paulista.html

domingo, 2 de novembro de 2014

Os filhos da mídia foram protestar na Paulista

Postado em 01 nov 2014

Louca cavalgada

Os filhos da mídia foram neste sábado para as ruas protestar contra, bem, contra sei lá o quê.
Contra terem perdido nas urnas e, portanto, contra a democracia.
Disse “filhos”, mas poderia ter dito “vítimas”.
Porque em sua louca cavalgada antidemocrática eles foram intoxicados mentalmente pelo que a mídia deu nestas últimas semanas.
Eles pareciam saídos das páginas da Veja e dos comentários de gente como Jabor.
Pediam o impeachment de Dilma pelo caso Petrobras.
São os efeitos colaterais da capa criminosa que a Veja deu às vésperas das eleições.
Os manifestantes da Paulista tomaram aquilo como uma verdade indiscutível.
Isso mostra que é necessário aplicar uma punição exemplar à Veja. É uma tentativa de golpe branco fazer o que a revista fez – sem uma única prova – em cima de uma eleição tão disputada.
A Veja tem que enfrentar – rapidamente — as consequências do que fez. Ou vamos esperar que um lunático, inspirado pela revista, comece a matar petistas?
A mídia está também por trás do disparatado pedido de auditoria de votos feito pelo PSDB.
Os tucanos só fizeram isso por saberem que têm as costas quentes com a imprensa. Ou então se refreariam antes de atentar contra as instituições com um pedido tão esdrúxulo.
As dúvidas não resistem a um minuto de reflexão. Considere. O Datafolha deu, na véspera, 52% a 48% para Dilma. A diferença ficou nos decimais: 51,64% versus 48,36%.
A desconfiança nasce também, assinale-se, de trapaças do PSDB não devidamente cobradas pela mídia.
Aécio usou dados enganosos de uma pesquisa do instituto Veritás que lhe dava ampla vantagem em Minas, onde perdera no primeiro turno.
O dono do Veritás avisou que era um erro, ou crime, utilizar os números que Aécio brandiu publicamente, nos debates, contra Dilma. O estatístico também.
E mesmo assim Aécio não se deteve.
O que pensa um fanático antipetista quando vê uma coisa dessas? Num dia, numa pesquisa, seu candidato está ganhando amplamente em Minas. No dia seguinte, no mundo real, o candidato perde.
Farsa, é a conclusão.
E a frustração se converte em raiva depois que analistas afirmam que Aécio perdeu a presidência por causa dos votos que não teve em Minas.
Manifestações como a de hoje mostram como a sociedade está sendo agredida por uma mídia interessada apenas na manutenção de seus formidáveis privilégios.
Pensava-se que o ataque da mídia à democracia cessaria com as eleições.
Não cessou.
É hora de o Estado proteger a democracia, antes que seja tarde demais.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/os-filhos-da-midia-foram-protestar-na-paulista/

A CULTURA DO ÓDIO, A CEGUEIRA BRANCA E OS IDIOTAS

RAFAEL ARAÚJO
O termo "idiota" era usado para designar aqueles indivíduos na Grécia antiga que preenchiam os requisitos para o exercício da cidadania, mas que não se ocupavam da coisa pública, que se interessavam apenas por seus projetos pessoais. Trata-se do cidadão privado, aquele que se dedica ao desenvolvimento de uma habilidade pessoal e deixa de lado a cidade, deixa de ocupar-se com a pólis. O termo acabou, como muito acontece, ganhando outras conotações. Mas se mantivermos em mente seu sentido atual e o significado de origem, perceberemos quão útil e apropriado é chamar de idiota aquele que se interessa apenas pelo seu trabalho, deixando de lado a política e a cidadania.
Tenho estado bastante curioso por compreender o fenômeno do antipetismo que estamos vivendo nessas últimas semanas de campanha eleitoral. Certamente há quem tenha boas razões para votar no candidato do PSDB, Aécio Neves, e elas devem ser respeitadas; mas há uma questão mais profunda que tem ocorrido com o fenômeno do antipetismo, um ódio nada propositivo que tem tomado conta das pessoas e revela um problema mais complexo, que a mim, como cientista social, interessa especialmente.
O ódio ao PT precede os escândalos de corrupção, de modo que atribuir o ódio a isso seria uma explicação insuficiente. Durante a campanha de segundo turno, graças ao fato dos dois candidatos terem chances reais de chegarem à presidência da república, o fenômeno se agravou. Arriscarei aqui algumas linhas e espero que sejam motivo de reflexão a quem esse texto chegar.
O ódio ao PT pode ser examinado pelo menos a partir de três grupos de causas: 1) o desenvolvimento histórico dialético ocorrido no Brasil desde a colonização e a forma como a luta de classe se constituiu no país; 2) a presença hegemônica da mídia tradicional e o poder simbólico que possui; e 3) a incapacidade de pensamento da população e o seu modo dicotômico de situar-se no mundo.
A primeira causa está na explicação histórica da forma como nossa sociedade foi construída, sob os alicerces da casa grande e da senzala. Os argumentos de Gilberto Freyre, e de tantos outros autores que se prestaram a estudar a formação da sociedade brasileira, indicam uma explicação para o fato de ainda sentirmos a presença do patriarcado em nossa pele, o resquício de um senhorio que se sente proprietário de tudo, que quer ver a todos sob controle. Esse princípio não desapareceu, ele foi modificando-se ao humor do tempo, adaptando-se aos avanços tecnológicos e aos ares da modernidade, mas em nenhum momento o sentimento de inquietação do senhor ao ver seus escravos festejarem na senzala deixou de existir. Essa especificidade da sociedade brasileira, que vem junto da miscigenação e da pluralidade cultural, não foge da lógica descrita no pensamento dialético. Existe um ódio de classe que mantém dois grandes grupos distintos e coesos no discurso, mas um único grupo que concentra a propriedade. Esse ódio de classe é difícil de aceitar nos tempos que vivemos. Já não se fala em comunismo senão como uma quimera, o capitalismo representa um sistema tão absoluto que a própria luta de classes fica obscurecida. Nesse contexto, falar de ódio de classe parece um devaneio, mas não é. O conceito é ainda preciso por reunir tantas práticas irrefletidas e contraditórias pelas quais estamos passando. É justamente pela sua negação que demonstra sua eficácia.
A ideologia se dissipa em discursos e práticas, come pelas beiradas, demarca territórios e realiza distinções sociais. Ao reconhecermos as significativas mudanças ocorridas no país nos últimos anos, vemos o ódio se acirrar como uma resposta espontânea à perda de distinção e de privilégios de determinado grupo social. Nesse sentido, a modificação na estrutura de classes e o passado patrimonialista seria uma possibilidade de explicação do ódio, mas não a única. Diante dessa realidade, o idiota é aquele que se interessa pela recuperação de seus privilégios, pelo sucesso de seus projetos pessoais, assumindo uma perspectiva individualista e burra ao mesmo tempo. Individualista porque perde de vista a coletividade de cidadãos que se beneficiaram com as mudanças, e burra porque acredita que as melhorias sociais são ações independentes, que não o afetam positivamente. Essa burrice que leva alguns a praguejarem contra o suposto assistencialismo do governo ignora a base de discussão dos direitos humanos e o modo como ocorre a dinâmica do capital, baseada essencialmente na produção e no consumo.
A segunda causa é a cobertura que os meios de comunicação têm realizado dos fatos cotidianos de nossa política. Essa cobertura corresponde às expectativas desse mesmo eleitorado idiota, porque estão interessados no consumo das informações. São empresas, e como tal procuram o lucro. Se os espectadores, ouvintes e leitores são a resultante histórica de um longo processo de despolitização e banalização da política, esse discurso será reforçado a todo custo, com o claro intuito de manter o índice de audiência e vendas. O fato de essas informações serem voltadas para o consumo já revela sua natureza: são informações efêmeras, voltadas ao desaparecimento. Não são informações que articulam o conhecimento do mundo, que acrescentam criticidade e contribuem para o estabelecimento do homem no mundo. Essas informações de superfície, que em nada aprofundam a realidade política, cumprem o papel de serem mercadorias consumíveis. São, portanto, oportunidades de distração do homem de si mesmo, ou dito de forma mais direta, são fontes de alienação.
Por exemplo, um dos temas que ocupou as propagandas eleitorais esse ano foi a "nova política" ou a sua versão atualizada, a "mudança". Os veículos de comunicação de massa e a população despolitizada trataram de propagar essa vontade do eleitorado. Ora, nem os mídia e nem a população em geral sabem como funciona a máquina do Estado. Não compreendem o funcionamento das instituições e o papel da burocracia. Não têm dimensão da rede de atores envolvida a cada processo decisório, as forças em disputa e o tênue equilíbrio que mantém a engrenagem funcionando. A população em geral, porque não se envolve com a coisa pública, não compreende o valor das instituições políticas e o fato de que essa complexa dinâmica é necessária para assegurar o mínimo de lisura ao sistema. Então, diante da crítica ao Estado cotidianamente construída pelos profissionais da mídia e repetida quase que de forma infantil pelo eleitor despolitizado, deduzimos que "a nova política" não passa de uma política sem corrupção. Esse é o máximo que essa parcela da população consegue definir como um programa de mudança, uma política sem corrupção. Essa reivindicação é mais do que justa. É tão justa quanto utópica, mas nem por isso deve deixar de ser buscada. Mas a rigor, essa vontade de uma outra política quando se resume a uma vontade de pôr fim a corrupção acaba por simplificar ainda mais as coisas e reforçar o afastamento dos indivíduos da coisa pública. O eleitor e cidadão passa a resumir todos os problemas ao problema da corrupção. Esse é o exato cálculo que a grande mídia faz: eleva-se a corrupção ao status de mal maior da humanidade. É isso que vemos nos comentaristas dos jornais todos os dias. Na sua tentativa de tutelar a opinião do espectador, ouvinte e leitor, acabam reforçando a ideia de que ao preocupar-se com a corrupção dos governantes ganha-se o título de cidadão. A fórmula é tão simplista que faz com que esse mesmo cidadão se esqueça dos tantos gestos corruptos que comete ao invadir a ciclovia; ao ultrapassar o semáforo vermelho; ao parar em local proibido ou em vagas para idosos; ao inventar atestados falsos para a sua declaração de ajuste de imposto de renda e tantas outras pequenas improbidades. A mesma irreflexão faz com que esses cidadãos combativos creiam piamente que o dinheiro que se perde com a corrupção e com o sustento de mordomias dos políticos seja mais do que suficiente para sanar todos os déficits da saúde, educação, mobilidade, violência e tantos outros pontos fundamentais para atingirmos o estado de bem estar social que desejamos. São contas simples que a simplificação do pensamento impede que sejam feitas.
A verdade é que a grande mídia soube selecionar muito bem os casos de corrupção a serem divulgados. Nos últimos debates a candidata Dilma Rousseff trouxe à tona alguns dos tantos escândalos que não foram investigados, o mesmo tem feito a mídia alternativa. Essa seleção realizada pela mídia tradicional foi muito eficiente na associação da corrupção ao partido dos trabalhadores, se valendo da contradição de que o mesmo partido construiu toda sua história sobre os alicerces da ética e no momento que se viu como governo acabou por jogar o jogo que ali estava e que tanto criticava. Ora, as pessoas não aceitam as contradições no dia a dia, vivem como patrulheiras umas das outras, fiscalizando seus discursos e atitudes na esperança de identificar os lapsos que serão cometidos. Isso é muito ruim, porque as ações passam a ser direcionadas a denegrir o outro com o simples objetivo de uns parecerem ser melhores que outros. As pessoas passam a fazer um cálculo de mazelas ao invés de potencializar suas virtudes.
Um processo semelhante ocorreu com o PT nos últimos anos. O ódio de classe e a cobertura dos meios de comunicação tradicionais conseguiram reduzir o problema da política à corrupção e associa-lo a um único partido. O eleitorado, se perguntado, reconhece que o problema da corrupção não é exclusividade de um único partido, mas o mesmo eleitorado usa dois pesos e duas medidas, penalizando apenas o PT. O idiota, nesse caso, é aquele que encontra nos "petralhas" um motivo para sua auto-afirmação, um mecanismo de enxergar-se como melhor e, ao mesmo tempo, de obscurecer os lapsos que comete no dia a dia. Além disso, é idiota aquele que não procura de forma ativa as informações sobre a trama da política e deixa-se informar pelos veículos de comunicação de massa. São esses mesmos veículos que vêem na simplificação e imparcialidade um negócio, uma fonte de renda, que estão construindo uma opinião pública frágil e, com isso, prestando um desserviço à democracia. A informação precisa descer às profundezas da política para que seja digna, do contrário se reduz a superficialidades e transforma o eleitorado em massa de manobra.
Por fim, a última causa que apresento para tentar compreender o ódio e a cegueira branca que estamos presenciando é a incapacidade de pensar, exatamente como Hannah Arendt a concebe. Há nos homens desses tempos sombrios uma incapacidade de situar-se entre o passado e o futuro. Dito de outra forma, em uma perspectiva complementar, o problema está no uso de uma racionalidade tradicional, tal como os frankfurtianos a descreveram, para enquadrar a complexidade do mundo a uma dicotomia moralizante. Tudo se resume a bem e mal, a certo e errado, a verdade e mentira. O leitor talvez se depare com esse argumento com espanto por não compreender o que há de mal nessa forma de enxergar o mundo. Esquece-se que nada na vida é tão simples e ambivalente e que, ao se enquadrar a realidade a uma forma tão reduzida, alimenta-se o risco da banalização.
Então, enxergar o mundo a partir de uma razão cartesiana implica ignorar a multiplicidade da vida. No fundo o que há nisso de perigoso é que a vontade de reduzir o mundo é no fundo a vontade de tê-lo sob controle. E nesse sentido, as ideias dos frankfurtianos não se afastam das de Hannah Arendt. Essa maneira que os homens aprenderam a olhar o mundo desde o platonismo revela um desejo de controle, uma vontade irascível de ter tudo e a todos sob comando e, diante dessa impossibilidade insuportável, resta produzir artificialmente uma realidade simples, perfeitamente controlada, para que a necessidade de iludir-se seja empreendida. Os nazistas souberam reduzir os problemas econômicos e sociais da Alemanha da primeira metade do século XX ao simplismo de uma única causa, problema cuja solução imediata estava na eliminação de todo aquele que não fosse ariano, que não fosse o povo eleito. Da mesma maneira se estrutura qualquer fundamentalismo religiosos e toda a barbárie que se seguiu ao esforço de resumir a fé a uma única verdade. Essa propensão do homem aos totalitarismos é, no fundo, o resultado de sua forma de pensar, realidade tão horrível e absurda quanto desconhecida e negada. Há no homem uma incapacidade de enxergar ao outro, mas também de enxergar a si mesmo. Mas há também um discurso iluminado, autoritário, que busca apoio a todo canto, que quer ser ouvido sem ouvir. Por isso a imagem da cegueira branca é tão apropriada para nosso tempo.
Não me parece exagero pensar que a emergência de fundamentalismos nos últimos meses seja algo tão distante do que vimos florescer na primeira metade do século XX. Temos crise econômica e social, temos crise de representatividade e temos uma mídia espetacular, bem armada para a formatação das consciências. Soma-se a isso as outras razões para o ódio levantadas anteriormente e temos um bom rol de explicações para compreender os linchamentos públicos, os discursos favoráveis à ditadura militar, o apoio a ideias injustificáveis como a esterilização de mulheres pobres ou a cura de homossexuais, e tantas outras tristes desqualificações dos discursos minoritários.
É nesse contexto que vejo o ódio ao Partido dos Trabalhadores aflorar tantos sentimentos brutais. A frase "odeio o PT" vem, em geral, seguida de uma profusão de preconceitos de classe, simplismos e preguiça de pensar. Da mesma maneira que o discurso irrefletido permite defender que o extermínio de delinquentes, homossexuais, judeus ou negros resultaria em um mundo perfeito, a extinção do PT seria a solução imediata para a política brasileira. Sem os "petralhas", o Estado seria finalmente saneado, acabaria a farra dessa gente e, finalmente poderíamos voltar ao que era antes. O discurso é tão sem sentido e tão revelador que nos obriga a perguntar se o que tínhamos antes é o que queremos para agora. Como se o Brasil antes do PT chegar ao governo fosse uma grande propaganda comercial de margarina. Esquecemos rapidamente o país que construímos nos primeiros 500 anos de nossa história, repleto de desigualdades e imperfeições e as novas gerações, tão acostumadas à superfície e à velocidade da tela, não partilham de memória alguma.

Essa última causa é mais profunda e grave que o período eleitoral em si. É a fonte de bestialidades maiores, que evitam o avanço de causas progressistas. Por essa causa, a idiotice não é apenas uma condição passageira, uma escolha periférica entre cidadãos que dão as costas para a coletividade e mergulham no individualismo. A incapacidade de pensar faz com que a condição de idiota seja equivalente à condição humana. O grande perigo disso não está simplesmente em sermos idiotas, porque trata-se de condição reversível. O perigo está no fato de que os idiotas de hoje são portadores da cegueira branca. Sem a capacidade de pensar, de enxergar-se e de ouvir ao outro, dificilmente essa situação será revertida.

Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/157969/A-cultura-do-%C3%B3dio-a-cegueira-branca-e-os-idiotas.htm